E EU PENSANDO QUE CRIACIONISMO ERA TUDO A MESMA COISA…

Em geral pensamos que criacionismo é a crença de que os seres vivos foram criados pela ação de Deus do jeito que são atualmente e que ser criacionista é ser contra a teoria da evolução. Mas não é bem assim. Existem teorias criacionistas em outras culturas e povos, que remetem a criação à ação de seu próprio deus e com narrativas diferentes da nossa Bíblia (exemplo: criacionismo hindu, grego, mesopotâmico). Também não está correto que todo criacionismo é contra a evolução. Neste texto vamos considerar o criacionismo cristão e suas várias correntes, usando como definição a “concepção segundo a qual Deus produziu o Mundo do nada”1.

Essaearth-in-gods-handss várias correntes do criacionismo cristão divergem sobre como Deus criou o mundo. Uns creem que o dia em Gênesis tinha 24 horas, outros que representam eras. Uns creem na teoria da evolução, outros em parte dela e outros a rejeitam totalmente.2 Pelo menos nove tipos de criacionismos cristãos podem ser elencados.3 Todos, porém, utilizam as Escrituras como base e creem que Deus foi o criador de tudo. Quem está certo? É difícil julgar.

Vendo isso, percebemos que nós criacionistas não temos divergências só com o ateísmo, mas estamos divergindo entre nós mesmos! O pior é que irmãos na fé literalmente brigam para defender sua opinião e consideram quem não concorda com ela como “não cristão”. Que vergonha para o evangelho, não acha? Nós discordamos sobre outros assuntos (batismo, predestinação, escatologia), mas suportamos isso sem tanta briga e ofensa. Seria bom que nos respeitássemos e discutíssemos nossas diferenças em paz, como cristãos que somos. Afinal, todos cremos no mais importante: somos pecadores e nossa redenção vem de Jesus, nosso salvador.

Não vamos terminar com essas diferenças de uma hora pra outra, mas podemos escolher a visão que mais nos satisfaz e respeitar a escolha dos outros. Para dar uma ajuda na sua escolha, vamos apresentar alguns movimentos fortes no Brasil, com elogios (“Vai em frente”) e críticas (“Cuidado”) para cada uma.

1) Criacionismo científico:

Defende a ideia de que o criacionismo pode ser comprovado por evidências científicas, entendendo também que a narrativa bíblica apresenta aspectos que podem ser considerados científicos.4 Um cristão palestrante que adota essa linha é o graduado e mestre em física Adauto Lourenço. Internacionalmente encontramos o doutor em engenharia Henry Morris, já falecido.

Vai em frente: Quem segue esse ponto de vista defende a Bíblia com unhas e dentes. Temos mesmo que considerar as Escrituras como regra máxima. Ela traz a verdade que não saberíamos se Deus não nos tivesse revelado (Hb 1.1-14). Temos também a teologia, que pode nos ajudar mostrando como ler os textos bíblicos, esclarecendo sobre épocas e lugares e mostrando verdades profundas do texto que às vezes nos passam despercebidas.

Cuidado: Sempre ouvimos dos teólogos que a Bíblia não é um livro de ciências, mas às vezes, para defender nosso ponto de vista, insistimos em ver ciência lá. Em outras vezes deturpamos as teorias científicas para desacreditá-las ou para legitimar o que lemos na Bíblia. Melhor conhecermos o que realmente dizem as teorias e sabermos bem o que diz o texto bíblico para responder adequadamente aos que questionarem nossa fé (1 Pe 3.15).

2) Criacionismo evolucionário (anteriormente evolucionismo teísta):

Afirma que a Bíblia é inspirada por Deus e por isso autoridade. Aceita as teorias científicas das origens do universo e das espécies como a melhor descrição existente no momento de como Deus criou o mundo, mas que eventos sobrenaturais também tomaram parte na construção da nossa realidade. Rejeita o Evolucionismo, visão ateísta de que o universo e a vida podem ser totalmente explicados pela ciência.5 Um dos defensores no Brasil é o pastor Guilherme de Carvalho, teólogo e mestre em teologia e ciências da religião. Internacionalmente encontramos Francis Collins, ex diretor do projeto Genoma Humano, que se converteu após se graduar em medicina e se doutorar em química.

Vai em frente: O criacionismo evolucionário aceita a ciência como importante para entender a criação de Deus. Temos que reconhecer que os conhecimentos teológico, científico e filosófico somados iluminam melhor a nossa complexa realidade, ajudando na compreensão da criação.

Cuidado: É importante ter em mente que a fé é sempre a nossa balizadora. A ciência mostra apenas a faceta natural do mundo, aquela que podemos medir. Ao estudar as teorias científicas temos que estar firmes em nossa fé em um Deus criador revelado pelas Escrituras, o que não podemos medir, mas experimentamos (2 Co 5.7).

3) Design inteligente (DI):

É a teoria de que certos aspectos do universo, incluindo a vida, são mais bem explicados por uma causa inteligente, embora não seja afirmado que essa causa seja Deus. Sua base é o conceito da complexidade irredutível, segundo o qual certos sistemas biológicos não podem ter surgido em decorrência de mutações gradativas, uma vez que só funcionam com todas as suas partes juntas.6 O químico e doutor em bioquímica Marcos Eberlin é o defensor brasileiro mais conhecido. Internacionalmente temos o advogado Phillip E. Johnson e o químico e doutor em bioquímica Michael Behe.

Vai em frente: A teoria do DI nos leva a pensar que a vida é muito complexa para ser explicada apenas pelos processos darwinianos como são descritos atualmente. Com certeza a vida, principalmente o ser humano, é muito mais que apenas genes e foi criado por uma causa inteligente, para nós cristãos, Deus (Gn 1.26).

Cuidado: É até lógico deduzir que a complexidade da vida só pode ter sido obra de um ser inteligente. No entanto, nem o DI nem a complexidade irredutível foram demonstrados pelos métodos das ciências, isto é, nenhum cientista, cristão ou não, conseguiu realizar um experimento que comprovasse o DI e a complexidade irredutível cientificamente.7 Isso não diminui o pensamento no DI, mas nos alerta: saber o que é ciência e o que torna algo científico, além de saber diferenciar ciências naturais de filosofia e teologia é crucial para discutirmos com propriedade, não só o DI, mas todos os outros pensamentos criacionistas. Do contrário podemos afetar a nossa credibilidade de criacionistas e até a da teologia.

Recentemente foi criada a Associação Brasileira de Cristãos na Ciência, que se propõe a ser um lugar de discussão de alto nível sobre a interação entre ciência e fé. Não defende qualquer posição em questões polêmicas, mas se coloca como um fórum aberto, de modo que “eventuais discordâncias entre seus membros possam resultar em um diálogo produtivo e aprofundamento dos temas em questão”.8

Agora, a escolha é sua.

  1. https://dicionariodoaurelio.com/criacionismo
  2. A página http://genesisum.blogspot.com.br/2013/06/conhecendo-melhor-o-criacionismo.html traz boas descrições dos tipos de criacionismo, embora seu autor não considere o evolucionismo teísta (criacionismo evolucionário) como criacionismo.
  3. Engler diferencia nove tipos de criacionismo: http://www.pucsp.br/rever/rv2_2007/t_engler.pdf
  4. Para saber mais: http://www.universocriacionista.com.br e http://www.icr.org
  5. Para saber mais: http://ultimato.com.br/sites/guilhermedecarvalho/ e http://biologos.org/
  6. Para saber mais: http://tdibrasil.org/ e http://www.discovery.org/
  7. Hafer, A. No Data Required – Why Intelligent Design Is Not Science. The American Biology Teacher, 77 (7), 507, 2015. Disponivel em http://abt.ucpress.edu/content/77/7/57.full.pdf+html. O artigo é atual e foi publicado em um periódico cientifico de qualidade. Leia o artigo sem preconceitos. Veja que em nenhum momento a fé é depreciada e são tratados apenas aspectos técnicos. O popularmente divulgado “a ciência faz complô contra a fé” não procede, mas isso é tema para outro texto.
  8. http://www.cristaosnaciencia.org.br/

Por Sorele Batista Fiaux – Congrega na Igreja Batista Itacuruçá na cidade do Rio de Janeiro. Engenheira Química, mestre e doutora em Processos Químicos e Bioquímicos pela UFRJ. Docente e pesquisadora da Universidade Federal Fluminense, onde coordena o Laboratório de Tecnologia Microbiana.

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