PREGAÇÃO EXPOSITIVA E PEQUENOS GRUPOS: ALIADOS, E NÃO CONCORRENTES

O Portal Multiplique tem a honra de conversar com o pastor Rafael Blume, recentemente laureado com o título de Mestre em Teologia pela Fabapar ao defender a dissertação O uso da pregação expositiva na igreja em célula: proposta prática de uma relação complementar. Esperamos que você seja edificado por esta entrevista.

  1. Faça um breve resumo de sua trajetória, para que todos o conheçam.

Bem, sou pastor da Catedral de Louvor Maranata, em São Luís do Maranhão, onde me converti em 1993, quando a igreja ainda funcionava na garagem de uma casa com cerca de trinta membros. Desde então, tenho congregado e servido ali. Liderei jovens na igreja e, desde muito cedo, envolvi-me com o pastoreio e a pregação da Palavra. Éramos tipicamente uma igreja de eventos, quando, no ano de 2004, começamos a transição para uma igreja em células, mentoreada pelo Pr. Alexandre Cavalcante e, em seguida, pelo Pr. Robert Lay. Naquele período, mergulhei no estudo da visão celular em busca de entender suas bases teológicas e metodológicas. Visitei algumas das principais igrejas em células no Brasil e até a igreja de Elim, em El Salvador. Ao nos tornarmos uma igreja relacional, com ênfase no sacerdócio universal de todos os crentes, experimentamos um crescimento especial. Saímos de 230 para cerca de 1.000 membros entre 2005 e 2009; hoje somos cerca de 3.000 membros em 22 igrejas. Com o rápido crescimento, sentimos a necessidade de evoluir no ensino das Escrituras. A partir de 2009 decidimos pregar expositivamente, ao que nos temos dedicado até hoje. Na preparação para melhor pregar a Bíblia, fiz um curso de Pregação Expositiva chamado Proclamação da Verdade, ministrado pelo professor Emílio Alcaraz, por três anos e meio. Em seguida, cursei a pós-graduação em Pregação Expositiva no Seminário Batista do Sul, no Rio de Janeiro, em parceria com o Southwestern Baptist Theological Seminary e, por fim, o mestrado na Faculdade Batista do Paraná.

  1. Você terminou uma dissertação sobre a relação entre pequenos grupos (células) e pregação expositiva. Quais as principais conclusões de sua pesquisa?

O resultado da pesquisa apontou para uma relação de complementaridade recíproca e necessária entre Pregação Expositiva e a Igreja em Células. Isso porque, por um lado, a Pregação Expositiva garante fidelidade e aprofundamento às Escrituras, promovendo um ensino equilibrado da Palavra de Deus. Por outro, os grupos pequenos dão sequência ao processo de ensino da Bíblia na Igreja, promovendo integração entre o culto e a vida em comunidade, trabalhando de maneira mais pessoal e prática as aplicações do sermão por meio do diálogo e da integração. A proposta final desenvolvida na pesquisa se baseia na articulação da pregação expositiva com os grupos pequenos, por meio do processo de ensino-aprendizagem, que considera três esferas de aprendizagem: cognitiva, afetiva e psicomotora, ou seja, os campos do conhecimento que dizem respeito ao conteúdo, à aplicação e à prática.

  1. Algumas pessoas acusam as igrejas que enfatizam pequenos grupos (ou células) de serem superficiais na teologia e na pregação. De que forma é possível ser uma igreja em pequenos grupos com pregação bíblica profunda?

De fato, existe essa crítica. Entretanto, articular pregação expositiva com grupos pequenos é uma proposta que visa garantir equilíbrio, profundidade bíblica e vida em comunidade. Essa articulação organiza um processo hierárquico que começa no culto de domingo, com a exposição bíblica, e tem continuidade no grupo pequeno, onde a pregação bíblica continua por meio de perguntas que possibilitem relembrar, compreender e aplicar por meio da interação entre membros da célula. Esse processo hierárquico continua até os relacionamentos discipuladores que também recebem perguntas e tarefas baseadas na pregação bíblica de domingo. Assim, essa articulação permite que a igreja seja ainda mais profunda nas Escrituras. Na medida em que o sermão de domingo promove o alicerce do ensino bíblico, as células promovem a maior apropriação do conteúdo e os relacionamentos discipuladores, a prática do conteúdo ensinado.

  1. Explique melhor como a pregação de domingo pode ser aplicada nos relacionamentos discipuladores.

Os relacionamentos discipuladores, assim como a edificação da célula, dão continuidade ao ensino da pregação expositiva.  Cada célula recebe um boletim semanal, para que o facilitador possa, através de perguntas de descoberta, compreensão e aplicação, aprofundar a aprendizagem. De igual modo, os relacionamentos discipuladores recebem perguntas e tarefas para o encontro semanal, as quais têm caráter de prestação de contas e compartilhamento mais íntimo da vida. Além das perguntas, também é possível lançar desafios práticos e tarefas que podem ser realizadas em conjunto, que ajudem o discipulado a praticar ou experimentar a verdade ensinada. O discipulador pode, ainda, receber tarefas específicas como “encoraje”, “fortaleça a fé” e “desafie”. Dessa forma, por meio do relacionamento discipulador, a pregação é aplicada a cada membro da igreja.

  1. Quais os perigos de uma igreja em pequenos grupos concentrar suas pregações em temas meramente motivacionais e voltados para os líderes de pequenos grupos?

Esse de fato é um dos desafios não somente da igreja em célula, mas de toda igreja no Brasil e no mundo em tempos pós-modernos. Vivemos um período em que o próprio conceito de pregação não é compreendido. Devemos ser portadores da Palavra de Deus, proclamar um texto antigo com fidelidade, de maneira relevante a um auditório contemporâneo. Devemos expor as Escrituras esclarecendo o texto inspirado por Deus com tal fidelidade e sensibilidade que a voz de Deus seja ouvida e seu povo lhe obedeça. Hoje, no anseio de serem relevantes, muitos pastores se apropriaram do discurso de autoajuda, coaching, psicologia, entre outros elementos, e acabam por colocar a Bíblia em segundo plano em seus sermões, muitas vezes usando versículos soltos apenas para validar um discurso caracterizado como cristão. Igrejas assim estão diante de um grave perigo: construir uma forte instituição, no entanto, biblicamente enfraquecida, excessivamente pragmática, formando liderança cristã inapropriada e desconectada de nossas tradições evangélicas.

  1. Quais os benefícios, para uma igreja centralizada na pregação da Palavra, da adoção da estratégia de pequenos grupos?

Uma igreja centralizada na exposição bíblica, uma vez que a Bíblia está sendo lida e explicada diante da comunidade, promove a tranquilidade de que a igreja está sendo ensinada segundo a vontade de Deus. A pregação expositiva tem a vantagem de formar uma igreja fiel e profunda nas Escrituras, além de treinar e exigir que seus pastores se aprofundem nas Escrituras e pensem biblicamente. Ainda, quando se adota a prática de expor livros inteiros da Bíblia, promove-se o equilíbrio temático. No entanto, essa modalidade de pregação enfrenta vários desafios em se comunicar com o mundo pós-moderno. A pregação expositiva, como descreve John Stott, é considerada um discurso dogmático autoritativo e impessoal. O processo educativo atual tem demonstrado o valor de outros campos de aprendizagem, que vai além da informação e envolve interação, afetividade, exercícios práticos e apropriação.  A implantação dos grupos pequenos integrados com o sermão de domingo promove um ambiente pedagógico dialógico, gerando interação e afetividade, no qual as aplicações do sermão podem ser tratadas de maneira profundamente pessoal, equilibrando conhecimento profundo e prática da Palavra de Deus.

  1. Você já experimentou alguma dificuldade, entre os pastores das igrejas em célula, por ser um defensor da pregação expositiva em um contexto geralmente acusado de ser pragmatista?

Sim. Alguns pastores, com sinceridade, preocupam-se com o risco de que, ao estimular a exposição bíblica, saiamos da simplicidade proposta pela Igreja em Células. Inclusive, no livro Igreja: movimento multiplicador, de minha autoria, publicado pelo Ministério Igreja em Células, defendo e promovo a simplicidade da vida da igreja. Contudo, é inevitável que nós, os pastores/mestres, nos afadiguemos do estudo das Escrituras, tarefa pastoral que não pode ser negligenciada, uma vez que as Escrituras são a regra de fé e prática da igreja. Que, ao pregar a Palavra, não sejamos tidos diante de Deus como falsos profetas, falando em nome de Deus o que Ele não disse.

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